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A miséria da economia

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Privatizar ou estatizar? Mais estado ou mais mercado? Protecionismo ou abertura? Os pontos e contrapontos do discurso econômico desta eleição nos deram um toque de nostalgia. De um lado, parecíamos estar no ambiente do final da Segunda Guerra, no qual os economias da Fiesp, Roberto Simonsen à frente, defendiam proteção à indústria nascente e investimento público. De outro, parecíamos estar no final dos anos 1980, com o Consenso de Washington e suas propostas liberalizantes.

O debate moderno sobre política industrial passou longe dos programas de governo, mesmo de Marina Silva. Iniciado com o paper Industrial policy for the 21st century, a conversa não está mais no nível do Privatizar x Estatizar. Ela opera em uma contraposição entre reformas pro-business e pro-market (Peço desculpas pelas palavras em inglês, algumas delas tem o sentido fortemente alterado em português). Enquanto as reformas pro-business consistiriam em investimentos estatais para desenvolvimento de empresas e empreendedores, as reformas pro-market seriam aquelas que afetam a economia como um todo.

No polo desenvolvimentista atual, a versão estatizante hard pós-1960 – aquela que faria Prebisch rolar no tumulo – é substituída pela ideia do developmental state, ou seja, um estado que fomenta e lidera o desenvolvimento de agentes de mercado eficientes. Esta ideia surgiu no trabalho de Meredith Woo-Cumings, The developmental state, ao analisar as economias do Leste da Ásia. Tal e qual o estado desenvolvimentista latino-americano, essas economias eram dirigidas pelo estado, mas, diferentemente, fomentaram o surgimento de empresas competitivas, líderes em tecnologia e voltadas ao mercado internacional.

Já no polo liberalizante, destaca-se a ideia de ambiente de negócios. Ao developmental state, este denomina capitalismo de estado, conforme o ensaio de Ian Bremmer. A definição é a mesma, mas onde o polo desenvolvimentista vê virtudes este vê problemas.

Um leitor leigo dirá “ora, não é a mesma coisa, o mesmo debate que assistimos até agora?” Não. O polo desenvolvimentista moderno não nega o papel do mercado, nem abre mão de questões fundamentais como responsabilidade fiscal. O que ele propõe é a enfase em políticas pro-business, ou seja, investimento em tecnologia de ponta, criação de bancos de desenvolvimento, uso de compras governamentais para estimular o surgimento de novos mercados. Como diz Mariana Mazzucato, em O Estado empreendedor, “o Estado está por trás da maioria das revoluções tecnológicas e longos períodos de crescimento. É por isso que um ‘Estado empreendedor’ é necessário para assumir risco e a criação de uma nova visão, ao invés de apenas corrigir as falhas de mercado”.

Por outro lado, o polo liberalizante do debate econômico não descarta o papel do Estado. Ele apenas enfatiza, como fazem Hans-Bernd Schefer e Robert Cooter em The Solomon’s knot, o papel regulador do estado para assegurar e proteger os direitos de propriedade do empreendedor.

Este debate não é apenas teórico. Se os formuladores de programa de governo brasileiros estivessem alinhados a ele, as propostas de política econômica apresentadas seriam muito diferentes. Aponto alguns exemplos:

  • Ciência e tecnologia: nenhum candidato tratou do tema de forma adequada. Não se falou, por exemplo, sobre o investimento do Estado em tecnologia de fronteira, as parcerias entre universidades e setor privado para inovações nem em reforço às regras de propriedade intelectual ou estímulo às patentes nos Estados Unidos. O Ciências sem Fronteiras foi mencionado como um exemplo, mas não foi inserido dentro de um plano maior de Pesquisa & Desenvolvimento;
  • Empreendedorismo: curiosamente, a única menção aos estímulos ao empreendedorismo veio do trabalho de Celso Athayde e Renato Meirelles, Um país chamado favela. Apesar de o governo federal e governos estaduais terem projetos interessantes de fomento ao ecossistema empreendedor, como o Startup Brasil e o SEED, eles não apareceram no debate eleitoral;
  • Cadeias de Valor: Aécio Neves citava a inserção do Brasil nas cadeias de valor globais, mas o eleitor não deve ter a menor ideia do que isso significa. Era apenas uma palavra, não um projeto;
  • Economia de baixo carbono: novamente, mais uma palavra solta, desta vez na boca de Marina Silva. Como fomentar uma economia de baixo carbono permaneceu uma incógnita.

Daí se vê que o principal desafio econômico brasileiro do próximo período, sair da armadilha da renda média e elevar a produtividade, está longe de ter uma resposta adequada das lideranças políticas atuais. Elas ainda estão presas ao debate do passado. E se esquecem que, se aqueles caras nos anos 1940-1960 ou 1980-1990 eram tão bons, era porque estavam de uma forma ou de outra antenados com o debate global sobre desenvolvimento.

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